1 de ago. de 2015

Trocando as lentes


TROCANDO AS LENTES:


enriquecendo o olhar educacional  com as diferenças!


 


Ana Lucélia Dias[1]


Cristiane Schroeder[2]


Ivanize Honorato[3]


Natacha Scheffer[4]




“O seu olhar lá fora  O seu olhar no céu...”[5]

            A poesia de Arnaldo Antunes enlaça ideias acerca dos “olhares”, não só para a diversidade, mas para o que diverge do dito correto. O olhar em direção ao outro chega permeado de verdades de quem o lança. Quanta pretensão! Desconsidera-se a opinião, a crença, a cultura, a vontade, o corpo. E o preconceito impregna a todos, sem exceção: das ações politicamente corretas ao olhar impuro e sarcástico do cotidiano. Ignora-se a cordialidade, o respeito, e o mesmo o apelo que está tornando-se pauta midiática das grandes redes sociais: #somostodosdiferentes.

Ora, não apenas somos diferentes como a própria possibilidade da nossa existência justifica-se pelo que nos diferencia. Desde sua criação, há cerca de 20 milhões de anos, nosso Planeta evolui e se expande através da seleção natural das espécies. Através de inúmeros fósseis encontrados por paleontólogos descobriu-se a imensidão de seres que já viveram sob a terra e evoluíram ou extinguiram-se. As Eras Geológicas comprovam o desenvolvimento do Universo até a vida recente com o surgimento de novas espécies, inclusive os hominídeos, ancestrais dos homens.

            Nosso Universo vem sendo constituído pela diversidade e só existe a partir dela. Se não tivéssemos características biológicas, físicas e psicológicas diversificadas jamais haveria resistência da espécie humana às intempéries da natureza, por exemplo. Como podemos conceber então que em nossa vivência social devemos ser iguais e seguirmos afirmando padronizações que ignoram nossas características, desejos, possibilidades? 

  “...O seu olhar demora   O seu olhar no meu...”

            Viver em uma realidade social como a nossa, é desafiar diariamente a natureza diversa e diversificada da criação. Estamos em um contexto de sociedade cada vez mais plural, mas que ainda busca homogeneizar nossas relações, ações, reações e modos de existir.

            Entender e respeitar o que é diferente de nós, não são privilégios ou missões somente da escola. A lógica existente, dentro de um contexto sócio-histórico-antropológico, cria e alimenta certas normativas e aquilo que foge de um padrão pré-estabelecido passa a ser visto como diferente. Diferente do quê? De quem?

            Uma sociedade que homogeneíza não dá ao sujeito a possibilidade de construir habilidades necessárias para vivenciar a diversidade como algo inerente à condição humana. Habilidades essas tão necessárias, inclusive, para lidar com o próprio eu, por natureza diverso, diferente, único.

 A identidade da infância e juventude, que se elabora também a partir da saída do seio familiar e construção de outras referências com a inserção social principalmente através da escola, confronta-se com padrões pré-estabelecidos do que é ser criança, adolescente, menino ou menina. A fase de descobertas e infinitas aprendizagens é atravessada por experiências do mundo globalizado no qual brinquedo, brincadeiras, lazer,... estão mais para produto de mercado do que para as experiências. O consumismo, por exemplo, cada vez mais especializado nas faixas etárias iniciais, dita modos de vestir-se, estéticas aceitáveis, de como se portar para estar na “modinha”, do que possuir para ser considerado alguém.        

“...O seu olhar agora
O seu olhar nasceu
O seu olhar me olha...”

            A Escola, na contramão de sua herança enquanto instituição que deveria reproduzir o modelo social ao preparar indivíduos aptos para o trabalho, ganhou a crença de potente meio de transformação socioeconômica, capaz de formar sujeitos críticos, capazes de repensar sua realidade. Entretanto, frente à pluralidade presente nas salas de aula, educadores ainda oscilam entre avaliar os educandos a partir de metas padronizadas e evidenciar, nas particularidades, meios de aprendizagem e crescimento. O preconceito travestido de ação pedagógica procura no aluno o “problema”, as causas pela falta de aprendizagem e enquadramento nas práticas escolares. “Ele não aprende, ele não faz, ele não tem interesse, ele não se comporta, ele não...”

Os próprios arranjos familiares em que os educandos estão envolvidos passam pela preconcepção de como deveriam viver e educar seus filhos estando constantemente à sombra da máxima “são famílias desestruturadas!”. Sim, infelizmente são frequentes os casos de irresponsabilidade daqueles que deveriam responder pela segurança e cuidado dos menores. Contudo, não se pode ignorar que mesmo frente às inúmeras composições e formações familiares ainda precisamos discutir, e muito, o reconhecimento da noção de família para além da composição “mãe” e “pai”, “homem” e “mulher”.   

“...O seu olhar é seu...”

            Provocar trajetórias de aprendizagens para a diversidade carrega este ensejo: demonstrar o quanto “nosso olhar é nosso” e como vem carregado de verdades que até podem ser justas para nós, mas não absolutas. Ao olhar o outro, carregamos conhecimentos prévios, princípios, experiências anteriores que nos fazem falar sobre ele e muitas vezes torná-lo ser o que é.  Independente de bons ou ruins, ninguém está livre dos preconceitos, das preconcepções que construímos e com as quais nos relacionamos com o mundo.

As profecias auto realizadas e as crenças de que existem padrões a serem seguidos como corretos, incorretos, adequados ou inadequados, engessam nosso olhar diante daquilo que é diverso, diferente. Olhar a diversidade sob uma ótica de que a mesma é enriquecedora e plena de possibilidades, pressupõe que os padrões estabelecidos caíram por terra ou mesmo não são verdades prontas e este fato, decorre de uma ampla reflexão a respeito daquilo que se deseja ou acredita quanto à diversidade planetária.

Acreditamos, assim, que se o preconceito existe e constitui nossas relações, só o conhecimento é capaz de ampliar as lentes com as quais me disponho a olhar. A aprendizagem sobre outras culturas, a valorização das diversas formas de se fazer existir amplia a medida para a vivência da diferença de forma respeitosa e colaborativa, sem radicalismos ou sub-julgamentos dos demais. Mudança esta que está muito além de uma relação única com minorias ou defesa dos discriminados. Ao ampliar a maneira como vejo o outro, me refaço na forma como me percebo e me coloco como ser humano e cidadão.    

“...O seu olhar, seu olhar melhora
Melhora o meu...”

Arnaldo Antunes





[1] Licenciada em Pedagogia e Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. - UFRGS
[2] Licenciada em Pedagogia – Educação Especial, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; Licenciada em Pedagogia Supervisão Escolar, pela FAPA - Faculdade Porto-Alegrense; Especialista em Educação Social pela UNISAL - Centro Universitário Salesiano de São Paulo; Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
[3] Licenciada em Educação Física  pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; Licenciada em Pedagogia, Especialista em Educação Infantil e Especialista em Educação para a Diversidade pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
[4] Licenciada em Pedagogia – Orientação Educacional, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA; Mestra em Educação pela  Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
[5] Trechos da música de Arnaldo Antunes, O seu olhar, do álbum Ninguém, 1995.

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